quinta-feira, julho 06, 2006

A dor de uma lágrima

Amante

Encontrava-me num daqueles bancos de jardim onde o tempo não passa e a vida se revela frágil como no primeiro momento. Dourada tarde essa em que o Inverno se diluía na opulência hélica e as folhas mortas se viam arrastadas pela brisa que soprava gélida do norte. Tarde de seduções ela era, coroada por um céu azul que não via nuvens à uma temporada, perfumada por um ar, simultaneamente tépido e glacial, que entristecia ainda mais as árvores despidas em toda a sua nudez. E o ardor da verdura vivia esbatido na palidez murcha da paisagem, esperando por dias melhores.

Sentia a melancolia placidamente porfiar em mim e ocasionalmente ouvia o crepitar de passos que se aproximavam, para logo em seguida se afastarem. Desse meu banco, onde me ia afundando, assistia à passagem de figuras espectrais, crivadas de nítidas recordações de uma passado agora distante. Os ramos mais altaneiros teciam áleas abobadadas que lembravam vagamente os templos do homem, feitos na pedra de outrora. O vento arrancava por vezes um rodopio mais sibilante, compondo à sua passagem uma melodia intermitente, prenhe de reviravoltas conquanto rica numa paz celestial. A tudo isto assistia, povoado por sombras bruxuleantes cuja lividez maculada pela solidão se aureolava de sortilégios.

Como está viva em mim a recordação dessa estação exangue, conivências de um momento de fraqueza capaz de aniquilar a derradeira esperança. Sob um céu nacarado crescia um antegosto a aventura, a desconhecido, e ao longe ouvia-se o repicar do último sino. Ao fundo do jardim a água corria fugaz, saltitando de cascata em cascata, assediando as trevas mais temerosas. E na ingenuidade desse mundo procurava reter a vaga memória de um calor nascido nos resquícios do tempo.

Foi então que a vi. O dia começara já a desvanecer-se ao ritmo de um turbilhão quimérico de sentimentos que se sucediam lentamente, sem pressa, a caminho do fim. Naquele momento a vida pareceu-me comprimida, submersa na mais ténue das névoas. Vi as árvores vergarem-se delicadamente à sua passagem, suspensas num silêncio quase sepulcral, em respeito a tão divina presença que subitamente incendiou o jardim com uma alegria estranha a estas passagens. A atmosfera adensou-se e a vida adejou suavemente, inspirada pelo tom doce e humilde que o Amor ali decidira apresentar. E antevi a chegada da Primavera…

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