A análise de um país, dos seus índices de satisfação, dos seus níveis de desenvolvimento e sobretudo a sua taxa de culturização passam muito pela análise da sua produção jornalística.
Ora acontece que basta uma vista de olhos pelos jornais e televisões portuguesas para chegar à conclusão que Portugal é de facto um país com um futuro bem negro e triste.
Felizmente, Portugal é muito mais do que aquilo transparece dos jornais, rádios e televisões, daí que o questionamento dos “media” passe a ser uma obrigação. Nesse sentido gostaria de analisar aqui uma das situações mais comuns do jornalismo português: “os fazedores de notícias”. A fabricação de notícias sempre foi uma constante do jornalismo, sendo que a diferença reside na motivação. Se antes notícias eram fabricadas sobretudo no sentido de influenciar a opinião pública tendo em vista a concretização de um ideal político, hoje em dia a fabricação de notícias é mais a regra do que a excepção. Seja por ausência de notícias, seja pela guerra de audiências, seja por motivações políticas, “seja por tudo” ou “seja por nada” o reportar do “não-acontecimento” tornou-se um filão que deve e é explorado superfluamente até à exaustão, mesmo que isso implique a total perda da qualidade noticiosa e a completa banalização do assunto.
Vejamos alguns exemplos:
Em Setembro de 2002 rebenta o escândalo Casa Pia. Durante meses e meses as televisões, rádios e jornais debruçam-se exaustivamente sobre o tema, acompanhando minuto a minuto o drama humano das vítimas ao mesmo tempo que promoviam o julgamento dos indiciados em praça pública e lançavam suspeitas sobre tudo quanto era figura pública, destacando-se o completo assassínio político de Ferro Rodrigues. 5 anos volvidos o processo continua a arrastar-se nas barras dos tribunais, sem fim à vista e apenas com direito a algumas menções esporádicas. O verdadeiro jornalismo de investigação? esse ficou à porta, sem margem de manobra ou qualquer apoio. E nem mesmo Felícia Cabrita, a primeira a relatar/denunciar o caso pode deixar de ser acusada de sensacionalismo.
Cerca de 2 anos depois vem à baila o polémico processo Apito Dourado. Uma vez mais a imprensa encarregou-se de explorar intensivamente o tema. Uma vez mais a qualidade jornalística foi relegada para segundo plano no sentido em que a batalha das audiências se tornou numa verdadeira “batalha campal” entre jornalistas para ver quem conseguia espremer mais sumo da laranja. Resultado: o futebol de 2007 continua a ser o mesmo de 2004, os mesmos jogadores, a mesma máfia. E mais uma vez, esgotado o filão, o tema passa a merecer somente algumas menções oportunas, uma espécie de actualização do “estado das coisas”. E se não deixa de ser verdade que a justiça não funciona não é menos verdade que os jornalistas (ou os directores de informação) pouco se interessam pela investigação profunda e cuidada.
Chega 2007 e entra em cena a polémica licenciatura de Sócrates (já discutida aqui) e o país, a braços com problemas bem mais pungentes, olvidou tudo em detrimento das cadeiras e dos professores do Primeiro-ministro. Mas como se isso não bastasse eis que alguém rapta uma menina inglesa nas praias do Algarve e Portugal pára assistir ao drama da família de Maddie, com direito a directos, entrevistas a especialistas não sei em quê, movimentos de solidariedade, pedidos de famosos, etc. Entretanto muitas outras crianças desapareceram em Portugal e Inglaterra (ver mais aqui) sem qualquer direito a destaque noticioso e como se não bastasse ainda somos acusados de incapazes e ineficazes nas investigações - logo terceiro mundo - pela imprensa inglesa (sendo que a Inglaterra é o país da Europa com maior taxa de criminalidade da Europa!!!!).
Mas eis que, quando pensava que já tinha assistido a tudo o que havia para assistir, o DN publica uma primeira página acusando os Gato Fedorento de plágio e roubo, tendo por base a celeuma suscitada por um blog. Então e a investigação ficou onde? Desde quando se publicam notícias sem pelo menos averiguar a sua fundamentação? (ver resposta do RAP aqui).
E com isto tudo quem perde é o país que assim vê os seus verdadeiros problemas relegados para segundo plano. Haverá ainda alguém que perca tempo a noticiá-los? Quem se preocupa ainda com o jornalismo de investigação puro e duro?
A qualidade noticiosa pode na verdade ser um reflexo da sociedade em que vivemos mas parece-me que existe uma outra causa bem mais profunda, diria mesmo um verdadeiro perigo sintomático: a manipulação da informação. Todos os dias, à hora de jantar servem-nos um prato muito especial, um prato de informação manipulada, filtrada e pré-seleccionada, com o intuito de ofuscar a verdade e ocultar problemas bem mais prementes. Uma clara promoção da ignorância e do comportamento “em rebanho”. Eis a censura dos tempos modernos!
Ainda neste âmbito gostaria de destacar aqui dois artigos de opinião de Miguel Sousa Tavares no Expresso: “Casos de Polícia” e o mais recente “Maddie: lições de jornalismo”.
4 comentários:
Ter um 1º mentiroso não é noticia?
Hmmmm, perspectiva suspeita, no mínimo...nem oito nem oitenta!
É óbvio que o assunto é noticiável. Mas pegando nas suas palavras: "nem 8 nem 80".
E aquilo que o Público e outros meios de comunicaçao fizeram foi uma autentica batalha campal, visto que o reportar depressa se tornou em mero sensacionalismo e populismo.
E a verdade é que enquanto a licenciatura Socrates foi tema de primeira página, problemas bem mais prementes foram relegados para segundo plano.
Talvez fuja ligeiramente ao enfoque do que pretendes dizer neste post, mas porque faz parte do mesmo tema, “Os fazedores de notícias”, deixa-me dar aqui relevância à forma de dar notícia que nos é “preparada” por via daquilo que eu considero ser uma espécie de mercenarismo do jornalismo, como o são as: Agências de Comunicação.
Até à bem pouco tempo não tinha consciência que andássemos a ser informados ou “comunicados” por profissionais que agem segundo o objectivo das encomendas que têm em carteira, seja para um objectivo específico seja para a criação de uma onda de fundo. Dou como exemplo o que aconteceu com Carrilho e Carmona Rodrigues nas últimas eleições para a Câmara de Lisboa. Conheço um pouco a situação porque comprei o livro “Sob o signo da Verdade” que editou sobre a campanha e este tema ficou para mim um pouco mais claro. Anteriormente havia alguma regra e aposição da palavra publicidade resolvia um pouco a questão. Mas agora falamos de estratégia que envolve muita gente do meio da informação e da comunicação e que tem o sustento dependente dela. É incrivel como muito do que lemos e vemos passa por trabalho encomendado. Eu sentia que havia algo de errado no ar em função de alguns esterismos e do matraquear da mentira, confirmei então que há senhores cinzentos cujo trabalho é dar-nos, a troco de bom pagamento, a “comunicação” que alguém quer e nós vamos tomando como “notícia”, “informação”...
Não posso, obviamente, de deixar de concordar contigo caro Graza.
Contudo, não sei o que será mais preocupante: os fazedores de notícias tentando influênciar a opinião pública, ou a imprensa e o seu comportamento carneiristíco.
Sempre houve filtradores, produtores e manipuladores de opinião, apesar do seu número ter aumentado exponencialmente nos últimos anos, ao ponto de se tornar profissão.
Para mim o mais preocupante mesmo é a falta de espiríto crítico nos media. Não falo dos comentadores e "opinadores". Falo dos jornalistas, aqueles que tratam a informação no dia-à-dia. Daí a "qualidade" das notícias que nos chegam às mãos...
Sem espírito crítico não há santo que nos valha!
Enviar um comentário