Existe pelo menos um traço comum a todas as sociedades humanas – a mudança, daí que a evolução e o desenvolvimento sejam, no fundo, nada mais nada menos que uma consequência do processo mutacional. E se “até este século, a mudança social foi tão lenta que passaria despercebida no período de vida de uma pessoa” [C.P. Snow], hoje em dia isso não é mais verdade, urgindo por isso abrandar um pouco para analisar e repensar a forma como o Homem se vê na sua sociedade.
Enquanto reflexo da natureza humana a Ciência começou inicialmente por ser uma tentativa pragmática de encontrar soluções e respostas para os desafios do dia a dia e acabou por se tornar no principal motor do progresso humano, daí que praticamente tudo o que caracteriza uma sociedade seja, no fundo, consequência da actividade científica (desde a mais rudimentar e ancestral à mais profissional e moderna). Pode, então, deduzir-se que directa ou indirectamente todas as sociedades estão dependentes da ciência para poderem subsistir, já que a evolução humana é em si indissociável da evolução da própria Ciência.
Contudo, apesar de indispensável, ao longo dos tempos a maneira como a Ciência era vista sofreu várias alterações e se na Idade Média era um “pecado” quase mortal e os seus adeptos condenados à fogueira, no séc. XIX a industrialização criou para ela uma visão triunfalista, enquanto que hoje em dia “a reflexão sobre os limites dos poderes da Ciência domina toda a análise séria das nossas sociedades” [J.-J. Salomon, Uma conversa com…]. De facto, e apesar de o conhecimento científico se assumir como o principal combustível do processo mutacional, existe uma necessidade crescente em repensar a Ciência e a sua integração na sociedade, porque se constata agora, mais do nunca, o quão ambígua e paradoxal ela pode ser.
Acontece, pois, que o paradigma científico por nós herdado é, actualmente, uma premissa falsa, e aquilo que a sociedade considerava válido há alguns anos é hoje tido como inexacto. E paradoxalmente, a verdade é que o principal responsável por isso mesmo é o processo científico/mutacional: se deles adveio muito do que hoje existe de positivo e de bom nas sociedades, não é menos verdade que essa mesma ciência é também responsável por um certo maquiavelismo. Como tal, é imperativo desenvolver “um pensamento capaz de conceber e de compreender a ambivalência, isto é, a complexidade intrínseca que se encontra no cerne da ciência” [E. Morin, Ciência com consciência]. Reformular a nossa bitola de valores e crenças sobre a ciência é, portanto, um passo fundamental rumo a uma melhor compreensão das sociedades e do próprio homem enquanto indivíduo particular. “Mas podemos interrogar-nos sobre se não será necessário procurar mais longe ou, socorrendo-nos de um termo da psicanálise, se não será necessário procurar nas profundezas” [E. Schatzman, A ciência ameaçada].
A verdade é que não existe um trilho que indique a forma como se deve ver a Ciência: não existem dicionários nem bíblias capazes de dizer o que é a Ciência. O máximo que poderemos fazer é estabelecer conjecturas e assumir que até um determinado ponto estamos munidos com a necessária independência (étnica e moral) para o fazer. E sendo eu, tal como todos nós, um filho da Ciência, tentarei aqui lançar algumas farpas com o máximo de idoneidade que me for tangível.
Como já vimos, o processo mutacional é uma constante das Sociedades. Contudo, apesar de fundamental, a evolução que lhe está inerente acabou também por se traduzir num desenvolvimento científico que se caracteriza por inúmeros traços negativos: a sobreespecialização e consequente fragmentação do saber, a manipulação política e económica, e a disjunção entre as ciências da natureza e as ciências do homem, são alguns adágios disso mesmo. Por exemplo, “a segurança que o cientista adquire, a justo título, no seu domínio, onde ele dispõe de meios eficazes de controlo do saber, leva-o facilmente a negligenciar a dificuldade e a complexidade de problemas mais gerais” [J-M. Lévy-Leblond, A ciência na ideologia]. Uma outra realidade deste progresso pernicioso prende-se com a observação minuciosa pela lupa da Sociedade a que toda a actividade científica é sujeita, não só pelos poderosos lobbies e interesses que tentam controlar e dominar o processo científico, mas também devido ao facto de a Ciência assumir, de dia para dia, um papel mais preponderante no funcionamento da própria Sociedade. E o que é facto é que se o método científico enquanto sistema organizativo do conhecimento foi o principal promotor do sucesso da Ciência (sobretudo nos últimos 3 séculos), é também o grande responsável pelo seu rotundo falhanço. Isto porque na sua essência o método científico é ele próprio uma técnica de manipulação, o que resulta inexoravelmente na incapacidade da ciência em controlar a sua própria estrutura de pensamento, daí que, em última análise, o progresso das certezas científicas seja responsável pelo progresso da incerteza, já que “o próprio da cientificidade não é reflectir o real, mas traduzi-lo em teorias mutáveis e refutáveis” [E. Morin, Ciência com consciência].
No complexo mundo contemporâneo, exige-se demasiado dos cientistas, dos políticos e até mesmo do público em geral, num processo em que a ciência enquanto técnica de manipulação contribui anacronicamente para o desenvolvimento dos poderes manipuladores (que tentam controlar essa mesma ciência). Efectivamente, esta é uma época em determinismo objectivista da Ciência ao desvalorizar a importância da liberdade subjectiva, acaba ironicamente por se traduzir num erro sistemático que revela simultaneamente toda a imponência e fragilidade da Ciência. Paradoxalmente, uma consequência disso é a própria necessidade de repensar a Ciência como tal, o que na maioria das vezes acaba por contribuir largamente para a sua mistificação e esoterização. E assim há duas perguntas que surgem naturalmente: será plausível questionar a natureza lógica da Ciência quando na maioria dos casos tal apenas contribui para um incremento da sua inconsistência? se a descoberta mais notável feita pelos cientistas foi a própria Ciência então porque é que no seu paradigma ela está repleta de falhas? E aqui voltamos à questão inicial: enquanto filhos da Ciência somos indissociáveis dela e por isso incapazes de lançar sobre ela um pensamento totalmente isente, pelo que acabamos por reflectir nela todas as nossas experiências pessoais mais ou menos imediatas.
Como tal, a maior das necessidades talvez não seja a de repensar a ciência, mas sim a de desenvolver e promover um auto-conhecimento mais apurado do conhecimento científico, pois um “novo modelo, com os seus novos conceitos, é concebido apenas por um acto de imaginação” [J. Bronowski, A ciência no novo humanismo].
3 comentários:
so tu pa fazeres concorrencia.
não te contentavas a participar no outro......agora tambem queres um..... não é que eu não tivesse ja pensado nisso tambem, mas o tempo é que não permite. força quantos mais melhor. não importa falar bem ou mal deles, ou do que quer que seja, o que import é falar
o egas desculpa-la mas já tavas farto de levar na boca?
Zé cabrense este é um blog para discussões sérias!!!
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Se vens para aqui para a brincadeira então aviso-te desde já que não existe segunda vez!!!
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