quinta-feira, abril 12, 2007

Um stradivarius solitário no metro

Será que a beleza transcende em momentos e locais inoportunos?
Visando a resposta a esta pergunta, o Washington Post, um dos mais conceituados jornais do mundo (logo a seguir ao 24 horas :p), orquestrou uma pequena experiência em Janeiro último no Metro de Washington que contou com a colaboração do virtuoso violinista Joshua Bell.
A experiência levou um Bell incógnito até à estação "L'Enfant Plaza" onde durante 43min executou algumas das maiores obras primas da música clássica ao som de um Stradivarius (o Gibson ex-Huberman) avaliado em 3,5 milhões de US Dólares. Durante esse tempo, Josh recolheu 32,17$US. 1097 pessoas passaram; apenas 7 pararam mais de 1min para apreciar. 7!!

Ali estava Bell, um artista que enche salas de espectáculo em todo o mundo, a ser pura e simplesmente ignorado. Como pode isto ser possível?
Claro que ninguém é obrigado a conhecer um grande interprete de música clássica, ainda para mais quando ele se faz passar por artista de rua; mas daí a ignorar completamente alguns dos maiores feitos da humanidade interpretados com semelhante virtuosismo e mestria?

E é aqui que surge o velho debate epistemológico sobre "o que é a Beleza?". Será um facto mensurável (Leibnitz), ou uma opinião/gosto (Hume)? Tal como Kant e o jornalista que escreveu o artigo, penso que a Beleza é um pouco de ambos, variável consoante o estado de espírito do observador. Daí que prefira pensar que naquele dia as pessoas estavam demasiado concentradas em chegar a horas ao trabalho.
Prefiro pensar isso à alternativa...
Tal como prefiro valorizar aqueles 7 para quem a beleza transcendeu.

A reportagem foi publicada no dia 8 de Abril com o título "Pearls before breakfast" (Pérolas antes do Pequeno-almoço) e pode ser lida integralmente aqui e o concerto ouvido aqui.

7 comentários:

Graza disse...

Deixa-me contar-te esta: Um dia, ainda eu não tinha o paladar apurado, deram-me a beber um Porto muito antigo e um novo, e fizeram o mesmo com um wisky velho e um novo. Falhei redondamente na escolha do melhor! Se os copos estivessem identificados, teria sido fácil tecer loas ao Porto e ao wisky. Hoje, porém, já não me enganariam...

Unknown disse...

És bem capaz de ter razão Graza: tudo precisa de uma certa habituação e conhecimento para uma melhor apreciação.

Mas há coisas que pura e simplesmente transcendem tudo isso e que nos tocam no fundo da alma. Ignorar alguém, mesmo um simples desconhecido, a tocar divinalmente a "Chaconne" de Bach é para mim inconcebível. Sei que há pessoas assim no mundo. Houve-as naquela estação de metro, há-as "aos montes" em Portugal também. Mas para mim é inconcebível. Não consigo realizar como alguém consegue ignorar algo de tão belo como a música de Bell... ou a beleza arrebatadora da natureza (como as da Costa Vincentina de que falaste!!!)... Não consigo.

Deixo-te aqui o link para a Chaconne interpretada por Jascha Heifetz
http://www.youtube.com/watch?v=iRhSUXf_7aI
e
http://www.youtube.com/watch?v=84wjmbrE0pg

Graza disse...

Acredito que te parta a alma, mas antes de ir ao youtube, insisto em amenizar a tua tristeza/revolta com mais outro exemplo. Hoje, um dos peixes que mais aprecio é Salmonete (grelhado.) Acreditas que só à terceira tentativa lhe "percebi" o sabor? Se já o provaste é um peixe que se caracteriza pelo sabor, ou cheiro, (?) a tintuta de iodo. Não é a melhor forma de escalpelizar aquela neglicência colectiva, há outra mais convencional de o fazer mas quiz ser sintético.

Graza disse...

Caro Egas

Já lá fui, ou antes, estou lá, agora já vou no Concerto de Brahms para Violino e Orquestra. De facto tens razão, é preciso ir noutro tunel do tempo para não ter dado por isso...
Mas quero agradecer-te ainda o facto de me lembrares a facilidade de aceso a tanta obra prima junta. Há coisas para as quais temos que ser empurrados como vês...

Graza disse...

Egas

Esqueci-me de referir que voltei ao Metro para comparar e é espantoso como Bell parece estar em palco e não numa estação cheia de gente e de interferências...

Unknown disse...

Graza,
Ainda bem que gostaste. E não haja dúvida que o youtube é um poço de surpresas...

De facto, parte-me a alma a abstração das pessoas! Não por acreditar que todas aquelas 1000 pessoas deveriam ter parado para ouvir Bell, mas porque dessas mil e tal pessoas apenas 7 pararam.

Ok, era um dia de trabalho, hora de ponta... mas mesmo assim?

E o que me custa mais é que se fosse uma Britney Spears ou algo do género toda a gente parava.

É assim o mundo em que vivemos...

Graza disse...

Sim, mas a Britney não é bem um Salmonete... é mais, tipo Ostra! E o pessoal vai pra ver se tem a pérolas.